Maciço dos Marins visto desde Morro do Careca: Palco da "Batalha 22" |
No princípio de janeiro de 2022 um episódio ocorrido no Pico dos Marins sacudiu a comunidade dos Montanhistas e afins no Brasil. Agora, passados mais de dois meses do fato podemos traçar curta análise a cerca do episódio e suas repercussões... É possível algo aprender com o caso?
Nesses "tempos líquidos" em que vivemos é bem provável que parcela considerável da comunidade já tenha até se esquecido daqueles dias de batalha virtual. Estávamos atravessando uma temporada de chuvas intensas no Nordeste e no Sudeste, com ZCAS atrás da outra. A pandemia ameaçava mais uma onda e já sabíamos que não haveria carnaval Brasil afora...
I
Nesse geral panorama, no dia 05 de janeiro de 2022 tomamos conhecimento que o Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo fora acionado e procedeu o resgate de um grupo de mais de 30 pessoas que visitavam o Pico dos Marins naqueles dias de ZCAS.
Finalizados os procedimentos naquela mesma tarde, fomos nos inteirando da ocorrência. Na verdade, aqueles mais de 30 resgatados pelos acessos da Montanha tomavam parte de um grupo de mais de 60 pessoas de distintas faixas etárias que em grupo haviam se dirigido para o Pico dos Marins sob condição climática severa.
Embora contassem com auxílio de alguns guias locais - informação com circunstâncias até hoje confusas - o numeroso grupo com nenhuma ou pouca experiência em Montanha era liderado por um profissional Coach; personagem bastante conhecido no "metiê"; tendo em suas bases sociais mais de 2 milhões de seguidores.
O profissional havia promovido a atividade de ascensão ao Pico dos Marins aos seus clientes como parte de um programa de trabalho de consultoria de desenvolvimento emocional. Por conclusão, podemos afirmar que nem todos os participantes da atividade atingiram o objetivo; tampouco soubemos que algum tivesse sofrido trauma grave durante a atividade.
Sem uma fonte única de informações, as notícias eram pouco claras. Posteriormente, o organizador informou que os participantes da atividade eram maiores de idade, o fizeram por vontade própria e tinham ciência dos riscos. Afirmou também que prosseguiu na atividade porque a situação climática adversa seria mais um componente importante para seu plano de trabalho.
Outrossim, também informou que o acionamento dos Bombeiros se deu de forma preventiva; fato rechaçado pela corporação; que explicou não trabalhar com esse método. Ou seja, já tínhamos indícios suficientes que essa história iria render!!!
II
Imediatamente após as primeiras noticias do Caso Marins o assunto passou a dominar as redes sociais dos praticantes do Montanhismo. Não demorou e isto tomou proporções inimagináveis, chegando até a chamada 'grande imprensa'. Embora tenhamos vistos raros chamamentos ao bom senso, o grosso das vozes respirava um ar pouco amistoso!
Passamos então a observar que, a ocorrência em si fora deixada em segundo plano. Para os guerreiros das redes sociais tomou importância discutir e classificar a atividade profissional do organizador; seu método de trabalho; sua carreira e vida pregressas; e pasmem, até suas eventuais crença religiosa e ideologia política; dentre outros aspectos pessoais.
Além dos tradicionais comentários, deparamos também com vasta criação de futilidades, daquelas que não servem para nada; porque o objetivo havia se tornado tão somente a pessoa do organizador. No linguajar moderno não seria absurdo afirmar que fora efetivado uma tentativa de "cancelamento" do sujeito; que nada mais é que uma versão moderna de ataque organizado a honra de dada pessoa.
É claro que não iremos replicar aqui as idiotices promovidas, os vídeos, os memes e as falas odiosas e agressivas. A nós ressalta tão somente um detalhe: muitas dessas ações eram avalizadas ou protagonizadas por praticantes conhecidos na comunidade. Isto nos deixou admirados e de certo modo decepcionados.
Muito embora não existam nesse meio grandes influenciadores; essas ações juntadas funcionavam como combustível ao fogo! A situação tomou rumo tal que até o Judiciário foi acionado. O resultado foi uma decisão que, se mantida, pode abrir um precedente com enorme capacidade de prejudicar a própria comunidade dos Montanhistas.
III
Não se revela tão simples identificar as razões da reação agressiva de parte significativa da comunidade frente ao Caso Marins. A comunidade do Montanhismo - ou pelo menos sua porção majoritária e mais experiente sempre foi conhecida pelo emprego do bom senso frente às ocorrências.
Até porque ano após ano episódios similares e até com consequências mais graves se fizeram presentes com relativa frequência. E em nenhuma dessas ocorrências foram observadas reações tão ácidas! Inclusive não é tão raro observar um certo exaltar frente àqueles que sem necessidade encaram situações adversas em suas atividades. São classificados como brutos, fortes, guerreiros...
De todo modo, é possível afirmar que a ausência de uma central de informações especializada; o tardio posicionamento das Entidades representativas, bem como o posterior ar de normalidade e desafio publicizados nas redes sociais do promotor podem ter colaborado sensivelmente para a áspera reação de parte da comunidade do Montanhismo.
Entretanto, outros dois aspectos de destaque também podem ter inflamado essa reação.
O principal envolvido mantém ampla base nas redes sociais; sendo um sujeito relevante para os seus algoritmos. Logo, abordar o assunto e o personagem do momento - seja ele qual for - pode garantir visualizações, ações curtir e compartilhar; e com isto alavancar perfis estagnados; e por consequência render prestígio e dinheiro!
O outro aspecto é um detalhe sutil, com identidade oficial. Ao cobrar eventual reconhecimento da ação de resgate; bem como nomear o principal envolvido na ocorrência como fanfarrão pode ter destravado à comunidade uma senha gatilho à liberação de que tudo se caberia afirmar, escrever e a promover contra o sujeito. Pois até as autoridades assim o teriam feito...
Enfim, no geral não podemos desconsiderar a nossa tão latente pouca educação para a gentileza; bem como o gosto demasiado por ações polêmicas de pouco resultado!
IV
Amigos, não é necessário assumir notório saber em Montanhismo para classificar a realização resgatada no Pico dos Marins como fora dos padrões para uma prática segura e exitosa em Montanha.
Muito embora a atividade claramente não apresentasse objetivos de prática do Montanhismo - o que não constitui erro ou demérito - e, aparentemente os envolvidos não apresentassem experiência em Montanha - o que tacitamente não significa impossibilidade de dada realização; o simples fato de estar em ambiente de Montanha - seja em nome de qual objetivo for - requer planejamento e cuidados específicos.
Aspectos físicos da rota; correlação adequada com o grau de experiência e número de participantes; condições físicas e psíquicas favoráveis; bem como disponibilidade de equipamentos e materiais apropriados devem ser levados em consideração quando em incursões em Montanha. Acrescenta-se a variável climática, que certamente será sempre a principal definidora de uma realização.
Não quer dizer que observar esses aspectos por si só garantirá uma ação segura e exitosa. Podemos nos desencanar: Não há 100% de certeza para qualquer quadro quando se está no meio natural.
Porém, ignorar esses aspectos pode significar assumir riscos além da possibilidade de qualquer praticante, organizador ou guia de Montanha. As chances de problemas se elevam consideravelmente e o resultado pode ser desastroso.
Entretanto, para desespero geral, podemos afirmar que esse episódio ocorrido no Pico dos Marins não será o último. Perdidos, acidentes diversos, realizações precarizadas, grupos não conformes; enfim, uma série de fatos não desejáveis certamente voltarão a ocorrer pelas Montanhas do Brasil. Infelizmente!
V
A primeira lição que podemos tirar frente a esse caso é a necessidade de fortalecer nossas Entidades Oficiais. Estas entidades precisam estar a postos nos locais de destaque da prática do Montanhismo no Brasil. Se manifestar acerca dos fatos com a devida perspicácia! A palavra oficial tem um peso diferenciado, porque demarca, pleiteia, sintetiza e garante os objetivos de muitos.
A segunda lição é a necessária prudência quanto aquilo que afirmamos e escrevemos; seja in loco, seja nas redes sociais. Ninguém está imune de se envolver em alguma ocorrência na Montanha. Por isso fundamental nos ater somente aos fatos. Preferências políticas, crenças religiosas, situações familiares e atividades profissionais não inerentes à Montanha são requisitos da alçada particular de cada um.
A terceira lição é nunca abrir mão de efetivar a prática em Montanha dentro dos princípios do Montanhismo; mesmo que os objetivos sejam distintos daqueles pregados pelo Montanhismo. Estes princípios podem não garantir 100% de êxito; mas como método se revelam tão leves que são capazes de proporcionar as melhores experiências, possibilidades e conhecimentos.
Por fim pratiquemos o bom senso. Nós não temos o direito de ofender as pessoas, sejam elas quais forem. O errar é humano! E todo erro, em especial aquele na Montanha deve ser corrigido! Jamais deve ser encoberto ou tratado como se comum fosse. Mas a necessária, providencial e equivalente correção deve ser fraterna e respeitosa; porém firme e adulta; de modo a "atrair, curar e levantar" o errante!
Enfim, o Caso Marins foi um erro estratégico de máxima grandeza. Mas a reação da comunidade conseguiu a proeza de se igualar ao mesmo nível... Lamentável! Que possamos nos despir da soberba e humildemente aprender com os nossos erros; para que numa próxima possamos nos apresentar pessoas melhores! O Montanhismo agradece!
Bons ventos a todos!
Este é um artigo de Opinião.
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